Sente aí meu irmão É uma coisa rara de ver O ano é bom, muito bom Estou feliz podes crer
A história de Dinorah você encontra em: DINORACOMAGANOFIM: Muito Prazer! Dinoracomagánofim.



Dinorah

Dinorah

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A mentira.


Tinha uns sete anos morava em um lugarejo lá para as bandas do Botucaraí. Parecia mais um moleque do que uma menina. Andava descalça, e gostava de tomar banho em um arroio que corria nos fundos da casa.
Um dia, ao voltar da escola, notou certo alvoroço. A avó contou que havia se instalado na cidade um bando de ciganos. Ela nunca havia visto ciganos, só em livros de histórias e uma fantasia de carnaval.
- Vocês devem tomar cuidado com os ciganos. Ciganas roubam crianças, escondem-nas debaixo da saia, fogem. Nunca mais ninguém as encontra! – falou a avó.
Meu Deus! Que coisa séria! Como é que podiam fazer isto? Roubar criança pequena! Com cautela, foi até o portão. Será que alguma criança sairia à rua enquanto os ciganos estivessem na cidade? Foi quando avistou Solange, amiga de escola.
- Solange, sabia que tem ciganos na cidade?
- Sei. Até já vi duas ciganas passarem na frente de casa. Fiquei escondida atrás da janela. Elas usam vestidos bem compridos, rodados e coloridos. Também usam muitas pulseiras, colares, brincos.
Apesar do medo, o rosto se iluminou como quem está prestes a assistir um filme de aventura.
- Minha avó disse que eles roubam crianças.
- Minha mãe também. Disse pra tomar cuidado. Quando vir uma cigana, devo fugir.
- Solange, a gente podia ir ali pertinho, só espiar.
Não falaram mais nada. Com o coração aos pulos, foram até a esquina, de onde avistaram enormes barracas. Elas nunca tinham visto barracas tão grandes. Os olhos arregalaram-se e as duas, de mãos dadas, ficaram observando.
As lonas laterais estavam levantadas, conseguiam ver o movimento de mulheres e meninas, todas vestidas de uma maneira estranhamente linda. Tranças negras, saias floridas, muitos enfeites. As crianças brincavam correndo ao redor das barracas. Não se podia entender o que diziam, mas falavam alto, alguns cantavam.
Ficaram ali por um bom tempo, sentido o medo e o prazer de desvendar um outro mundo, totalmente desconhecido para elas. Comentavam baixinho:
- Será que estas crianças foram roubadas?
- Não, acho que não. As crianças estão alegres, estão brincando e parecem felizes.
O tempo passou sem que elas percebessem, até que começou a escurecer, correram de volta para casa. Chegou toda esbaforida, sua avó indagou, por onde havia andado?
Sem saber explicar por que, sentiu uma vontade de contar o que realmente gostaria que tivesse acontecido:
- Vó, a senhora nem sabe! Eu e a Solange estávamos brincando e uma ciganinha veio falar conosco. Ela nos convidou para ir até a barraca dela.
- Criatura, cigana rouba criança! – exclamou a avó assustada.
- Não rouba não, vó. Ela foi muito boazinha, até serviu um cafezinho.
- Eu não acredito! - falou a avó, oscilando entre o medo e a curiosidade.
- É sim, tomamos cafezinho e a barraca é muito linda – aí entrou uma descrição do palácio da Sherazade, princesa dos contos Mil e uma Noites que ela havia lido. Era a coisa mais próxima que sua mente encontrou para descrever o acampamento cigano – muitos tapetes coloridos, a gente senta no chão. A ciganinha nos mostrou os vestidos dela, são de um pano bem fininho e lisinho. Uns tem brilho, outros são transparentes. Muitas pulseiras, colares e brincos, todos de ouro. Ela guarda tudo em um baú enorme com dobradiças de ferro. A mãe da ciganinha convidou para ir lá amanhã.
Quanto mais a avó se emocionava, mais ela enfeitava a história, misturando ciganos com Mil e uma Noites, Sherazade, Ali Babá. Até que julgou estar exagerando e, no exato momento em que pensou em dizer para avó que era só uma brincadeira, chegaram duas senhoras, amigas de longos anos da avó, e ela, imediatamente, lhes contou a história narrada pela neta, cheia de euforia e humor.
Quando viu avó tão entusiasmada, feliz, contando, as gargalhadas, para as amigas e vizinhas, e que não acontecera, ficou com dó. Jamais desmentiu.
A menina cresceu, a avó envelheceu. Morreu velinha, quase cem anos, e sempre que queria contar algo engraçado dizia:
- Esta menina é medonha! Até já tomou café com ciganas. – E mais uma vez, contava a história.
Enquanto isto ela remoia uma culpa doída e pensava:
- Ah! Vó Picucha, perdoe-me pela mentira, tão contada e recontada, mas você sentia tanto prazer e alegria em contar o que não aconteceu que nunca tive coragem de desmentir.
Aquela era uma das histórias prediletas da avó seria muita maldade dizer que não havia acontecido. E depois, que feio seria ter uma avó tão velinha e tão mentirosa!

3 comentários:

  1. Dinorah isto é um conto? Já ouvi muitas histórias sobre ciganos dos mais velhos quando era criança, normalmente depreciativas também. São criaturas que despertam curiosidade por sua aparência e forma de viver nos adultos, imagine nas crianças com sua mente fértil.

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  2. Pior que não Blogueira, é verídica e quem mentiu para avó fui eu. Que feio né? Pobre da velinha, morreu mentindo, nunca tive coragem de desmentir.

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  3. Muito boa a história. Assim que eu tiver uma folguinha, quero ler as demais postagens. A leitura destes textos é muito gostosa, me faz lembrar alguns livros que li a um tempo atrás.

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