Sente aí meu irmão É uma coisa rara de ver O ano é bom, muito bom Estou feliz podes crer
A história de Dinorah você encontra em: DINORACOMAGANOFIM: Muito Prazer! Dinoracomagánofim.



Dinorah

Dinorah

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Passeio Socrático

Passeando pela net, encontrei este texto, vale a pena conferir o texto de Frei Betto. Pensei citar apenas algumas parte, mas ele - o texto - é todinho maravilhoso. Você também pode acessar o site - http://www.freibetto.org/ - está recheado de sabedoria, aconselho um passeio por lá.

PASSEIO SOCRÁTICO - Frei Betto

"Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su­gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”
/ http://www.freibetto.org/

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Maracangalha



Eu vou prá Maracangalha
Eu vou!
Eu vou de uniforme branco
Eu vou!
Eu vou de chapéu de palha
Eu vou!
Eu vou convidar Anália
Eu vou!
Se Anália não quiser ir
Eu vou só!
Eu vou só
!
Autor: Dorival Caymmi, gravada em 1956

terça-feira, 26 de outubro de 2010

I. A avó


Quando criança, a avó lhe dava banho, penteava o cabelo, fazendo uma onda com o pente, por fim, passava-lhe algumas gotas de “Água de Colônia 4711”.
Lembrou-se das mãos da avó.
- Vó, por que tuas mãos são cheias de pintinhas?
- É mão de velha. Mão de velha é assim, a pele enferruja, fica molenga, dá até para fazer cu de galinha.
Lembrou-se como gostava de fazer cu de galinha na mão da avó, de como era bom brincar com suas mãos. Tinha uma aliança que era de ouro com uma borda de platina. A avó lhe contou que era assim por que já estava casada há muito tempo com o avô, era como se tivessem casado duas vezes. Gostava de brincar com uma pulseira que ela usava. Uma argola grande com outras argolinhas menores que corriam sobre a grandona - cada argolinha representava um ano de casada. Todo ano, no aniversário de casamento, o avô mandava colocar mais uma argolinha.
A imagem da avó surgiu em sua imaginação. Uma mulher robusta, pele clara, olhos azuis. Seus vestidos, sempre do mesmo feitio - como ela dizia - tinham dois grandes bolsos, um deles guardava um providencial lenço - para limpar o nariz dos netos.
Sentia uma paz imensa quando lembrava da avó. Talvez a avó fosse serena mesmo, pelo menos foi isto que sempre imaginou. Descendia de colonos alemães. Fora educada em alemão. Quando casou-se, só falava alemão e o avô só o português. Os dois se chamavam de schatz – tesouro – em alemão.
Hoje, já tão velha quanto sua avó era na época, indagava-se – como é que lá naquele tampo, no meio de gente com tanta dificuldade de expressar sentimentos, os dois, depois de muito tempo de casados, ainda tinham o carinho – e se fosse por costume, tanto faz – de se chamarem de tesouro? Quem, dos filhos e netos, ainda chama o marido ou a mulher por um apelido carinhoso?
Analisava e concluía que a avó deveria ser muito tímida, mas também, muito carinhosa, afinal, o apelido era em sua língua – schatz!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

II. O avô


Baixinho, gordinho, de bombachas – no verão, eram cortadas transformando-se nas saias-calças mais esquisitas que se tem conhecimento. No inverno, um pesado poncho de lã de ovelha. Um boné que cobria a cabeça quase calva. Gostava muito do avô, beijava-o no rosto, mesmo que para isto tivesse que sentir sua barba espetando-lhe as bochechas.
Era escrivão, trabalhava no Fórum e, às vezes, levava-a para ajudá-lo. Ela lavava canetas tinteiro, arrumava gavetas, escrevia a máquina – que paciência ele deveria ter para aturar aquele menina xereta, perguntado, bisbilhotando tudo o que encontrasse.
Ela foi para escola aos cinco anos e quando foi passar as férias de inverno na casa do avô, já sabia ler. Ele, muito orgulhoso, pegou um jornal e pediu-lhe que lesse para um amigo.
- Cooo rrrre iiiiooo do pooo vo!
Fato tão relevante foi comemorado com pastéis de nata, feitos pela avó.
Também era historiador e jornalista. Sua mãe contava que fora metido a construir aviões – atualmente, o aeroporto da cidade tem o nome dele.
Gostava de festas – não esquece que foi ele que lhe ensinou a cantar a primeira marchinha de carnaval - Maracangalha. Gostava cerveja, de receber amigos, a casa estava sempre cheia. Contava anedotas e causos engraçados que ela adorava ouvir.

Qualquer assunto que surgisse, tirava as dúvidas no Rocha Pombo – se não estivesse ali, não existia!
Chamava a esposa de schatz - tesouro. No fundo, deveria ser romântico, naquele tempo, não era costume um homem chamar, publicamente, a mulher de tesouro...


“...O seu barba de farelo, não tem nada pra nos dar, tomara que nunca tenha, um cigarro pra fumar...” – cantou baixinho, como se ele estivesse lhe ouvindo.

Ele saberia interpretar a homenagem...

domingo, 24 de outubro de 2010

III. A cozinha


Lembrou-se da cozinha de sua avó. Aquela mesa enorme, com um banco azul, em forma de éle. Chegou a sentir o cheiro da lenha queimando no fogão, dos bifes sendo passado na chapa quente - Como será que minha avó conseguia aquele sabor? Nunca mais comi nada parecido - Pensou consigo mesma.
Ouviu a conversa das mulheres, sua mãe, tias, vizinhas discutindo sobre um novo ponto de tricô enquanto folhavam uma Burda. Até o barulhinho das agulhas de tricô, batendo as pontinhas uma na outra. ela teve a impressão de ouvir. Todas as manhãs elas se reuniam ao redor daquela mesa. Faziam tricô, costuravam, tomavam chimarrão. Conversavam sobre os maridos e filhos, trocavam receitas e diziam que ali não era lugar de criança – vão brincar lá fora que isto é assunto de gente grande – quantas vezes deve ter ouvido aquilo? Não tinha conta.
Enquanto o mulherio falava, a avó fritava bolinhos de arroz para oferecer a todas. Era quem menos falava, como se fosse invisível, estava ali só para aquecer mais água para o chimarrão ou alcançar uma tesoura para quem estivesse precisando. Uma figura que vivia nos bastidores, silenciosa, não metia o bedelho em nada, só quando alguém pedia sua ajuda é que se ouvia sua voz.
Em seguida, a imagem de um guarda louças surgiu. Um móvel azul, na parte de cima, as portas de vidro, mostravam prateleiras enfeitadas com barras de crochê e xícaras penduradas.
A avó também possuía louças, talheres e copos de festa. Eram bonitos. A louça era decorada com azul escuro e florzinhas cor de rosa com frisos dourados. As taças de champanhe eram aquelas de boca larga, não eram essas flute modernas. No faqueiro faltava uma colher de cafezinho, a avó sempre lhe dizia que devia ter sido jogada no lixo, por engano, pois nunca lhe descobrira o paradeiro. Também havia uma poncheira, com os canecos, eram de vidro cor de rosa, com o desenho de damas antigas e seus pares, tudo feito em relevo, e uma pesada concha de vidro. Aquele apetrecho era usado somente no primeiro dia do ano. Não sabia se era por causa do Reveillon ou por ser o aniversário de sua avó.
Naquele tempo, a cozinha era o coração da casa, lugar de junção de todas as visitas.

sábado, 23 de outubro de 2010

(continuação) - IV - Cotidiano


Na despensa, um bom estoque de conservas. Pêssego, figo, ameixa - da vermelha e da branca - goiaba, pêra, schmier e suco de uva. Também, os picles, cebolinha, pepino, couve flor, cenoura. Latas com biscoitos amanteigados e de polvilho.
Incrível, como mudam os conceitos – pensou - naquele tempo, servir uma mesa cheia de delicias, era uma demonstração de carinho. Pão sovado, cucas e doces não eram tipificados simplesmente: carboidratos – perigosa droga que causa dependência química. Naquele tempo, consumir carboidrato era prazer permitido. Não era pecado mortal!
Mas não eram só carboidratos que moviam aquele mundo.
O verdureiro passava todas as manhãs. Estacionava a carroça em frente a casa, ela corria para acompanhar a avó nas compras. Comprava-se de tudo, verduras e frutas da estação, ovos, manteiga, melado. Enquanto a avó escolhia, ela ficava na volta, tentando subir na carroça – Não pisa na roda que a carroça anda! – quanta vezes o verdureiro teria lhe advertido? Perdeu a conta. Ficava ali, ouvindo a conversa, em alemão, que avó e verdureiro entabulavam. Entre as compras, um cento de laranja - do céu e de umbigo - mais bergamotas e limas.
Depois do almoço, a avó sentava-se em uma cadeira, no pátio - para aproveitar o sol do inverno - com o balaio de laranjas ao lado. Retirava uma faquinha de um dos bolsos e, com os netos sentados a volta, descascava quantas laranjas bastassem para satisfazer a vontade e a gula da gurizada. Haviam duas opções de “corte” - com furinho ou com tampinha? Perguntava a avó.
No verão, eram as uvas. Colhidas da parreira e colocadas na geladeira, ficavam deliciosas, geladinhas. Também viravam um suco que só aquela avó sabia fazer.
Os sabores da infância são inesquecíveis, são temperados com “amor de vó” – especiaria que o tempo se encarrega de consumir.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

(continuação) - V - O cheiro


A casa exalava diversos cheiros, conforme o ambiente e o momento.
A cozinha, tanto poderia cheirar a bife feito na chapa como a baunilha, cravo, canela - dos papos de anjo e ambrosia.
Já o escritório do avô, cheirava a cigarro de palha e tinta de jornal.
O mais inesquecível, o que poderia ser denominado de “O cheiro da casa de minha avó”, encontrava-se no banheiro – uma mistura insólita de sabonete Phebo e fumo em corda, proveniente de grandes rolos do produto que ficavam armazenados em uma prateleira. Por mais estranho que possa parecer, ela gostava muito da mistura destes cheiros.
Sempre que sentisse este cheiro saberia que só poderia estar na casa da avó. Todos os outros cheiros poderiam ser sentidos em qualquer casa, mas esta mistura – só lá. Na casa da avó!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

...é só carne, sal grosso e carvão...



Tenho certeza que todo mundo conhece uma mulher assim, espero, sinceramente, que não seja você mesma!
É na casa dela que, domingo sim, domingo também, a familiagem se reúne. Pais, tios, filhos, netos, genros, noras, irmãos, cunhados, sobrinhos, sogros, enfim, quem mais chegar!
Todas as datas festivas são comemoradas lá, independente do clima – no verão tem piscina, no inverno, lareira e fogão à lenha. É uma casa grande, onde cabem vários sofás para que os convidados possam se esparramar após a farra do churrasco de domingo.
Churrasco é bom, por que não dá trabalho - diz quem não é dona de casa – é só carne, sal grosso e carvão!
Eu concordo - quando a casa não é minha - churrasco não dá trabalho!
No sábado, a dona de casa corre no supermercado – não sem antes elevar uma prece à sua padroeira “Nossa Senhora Padroeira do Churrasco de Todos os Domingos” - compra o carvão, as carnes, o sal grosso. Bebidas – muita cerveja e refrigerante, sem esquecer que nem todos tomam refrigerante normal, tem sempre alguém de regime, daí precisa comprar uns anormais. Ah! Estava esquecendo, tem quem só tome suco de frutas feito na hora e, do avô, que toma cerveja sem álcool.
Caminha entre as prateleiras, falando sozinha:
- Churrasco sem salada de maionese não tem a mínima graça. Então, compra as batatas, ovos, salsa, cebolinha. Para os de dieta, compra alface, tomates, cenouras, no mínimo. Após comerem tanta carne, vem o desejo de um doce. Lembra da sobremesa. Pudim de leite! Mas, para toda aquela turba tem que ser dois... e os de dieta? Gelatina!
Quando está chegando no caixa pensa – e se ficarem a tarde toda? - tenho que oferecer uma merenda, um café. Volta para as prateleiras. Farinha de trigo, mais ovos, açúcar, chocolate, fermento, café, leite, manteiga.
Revisa mentalmente a lista. Ainda faltam o limão, cachaça e gelo...
Sábado, mercado lotado, carrinho cheio, toca para o caixa. Passa as compras, paga e vai para casa. Em casa, tira tudo do carro, separa o que é de geladeira, e o que não é.Acomoda tudo.
- Acho melhor já começar a fazer as sobremesas e bolo – considera.
Quando chegou em casa estava começando a novela das seis. Acabou o, invariavelmente horroroso, filme da “Sessão de Sábado”. Já passa da meia noite, sobremesas e bolos estão prontos. Exaurida, toma um banho e vai dormir.
Domingo, lá pelas 10 da manhã começam a chegar.
A criatura, que acordou às 7 horas da manhã, já lavou todas as alfaces, cozinhou as batatas, está com as saladas prontas. Na churrasqueira estão organizados, como se fossem instrumentos cirúrgicos, os espetos, facas, faquinhas e facões, sal grosso, tábua para cortar carne, carvão, álcool para acender o fogo, fósforo, um paninho para o churrasqueiro - o churrasqueiro sempre precisa de um paninho.
Cadeiras, pratos, talheres, copos, isopor com gelo, guardanapos, petiscos... enfim, agora vai poder sentar e assistir a parte crucial, quando o assador espeta a carne e gira os espetos sobre o fogo. Por um longo tempo, a fim de que todos possam ficar devidamente embriagados.
Enquanto isto, uma convidada verifica as unhas e apavorada exclama:
- Nossa! Como está feio o esmalte das minhas unhas! Você tem acetona?
Prontamente lá vai ela buscar a acetona.
- Aproveita e pega mais uns amendoins...
- Já que você está de pé, alcança o protetor solar, esqueci o meu...
- Vai até o quarto? Dá uma olhadinha se o Juninho está direitinho na cama...
Todos comem, bebem, cantam em homenagem ao churrasqueiro...
Com a barriga na pia, ela, lava pratos, talheres e copos, limpa espetos, serve a mesa do café – afinal já são 5 da tarde.
Os homens sesteiam, enquanto mulheres e crianças se esbaldam no sol e na piscina.
O marido, para prestigiar a mulher, exclama:
- Nossa! Que cheirinho maravilhoso! Vamos tomar café com bolo!
Uma outra, quando chega na cozinha repara, com um grande alívio, que toda a louça do almoço foi lavada e a mesa está pronta para o café, comenta:
- Querida! Por que você não me chamou para ajudar? Eu estava tomando banho de sol e nem vi que você estava na lida!
Tomam café, conversam, comentam como foi bom o dia. Já está anoitecendo.
- Foi bom passar o domingo contigo! Eu já vou, amanhã tenho que acordar cedo!
Este é o melhor dos convidados, pois tem aquela que sai de bico torcido porque não conseguiu comer duas fatias de pudim, alguém comeu quatro e não sobrou para ela.
Até que o último se despede:
- Tchau Querida! Domingo que vem a gente pode fazer outro churrasquinho destes, afinal, é só carne, sal grosso e carvão....

(continuação) VI Os sons


O relógio
Os sons daquela casa também permaneceram gravados em um pen drive a prova de qualquer vírus ou extravio.
Havia um relógio de pêndulo que batia as horas, de uma forma tão pomposa que sempre sentia um pouco de medo, principalmente se fosse à noite. Era um som grave, bonito, bem definido. Parecia um gigante afirmando - “Ouçam! Prestem atenção. Eu só ando para frente, não volto. Vivam este instante com intensidade, ele passará Não existe como armazená-lo em um vidro, tampouco conta de poupança do tempo”. Talvez, por isto o medo inconsciente, o respeito que ele impunha e ao mesmo tempo cobrava. Era muito solene para ser tratado com descaso.


O rádio
É incrível como tudo é enorme quando se tem cinco anos. Era um rádio de válvulas, conforme, onde se colocasse o dedo, dava choque. Era uma coisa muito perigosa. Só gente grande podia manuseá-lo. Tocava dois tipos de “coisas” – notícias para o avô e marchinhas de carnaval para as tias. Desde bem pequena sabia, que quando o rádio falasse – “em Brasília são dezenove horas” – crianças e mulheres tinham que ficar de boca fechada. Respirar bem baixinho. O avô ouvia todos os dias o homem que falava aquilo – que em Brasília eram dezenove horas – ela não gostava, não podia falar com ninguém - tomava o café e saía de rapidinho para outro lugar da casa onde pudesse conversar.
Gostava mesmo quando suas tias ligavam o rádio e, ele – o rádio – só cantava músicas de carnaval. Lembrou da primeira música que aprendeu a cantar. Para sua surpresa, não foi com as tias, foi com o avô. Ele colocava um chapéu de palha e acompanhava o rádio – “eu vou pra Maracangalha eu vou, eu vou de chapéu de palha, eu vou...” – aquilo era tão engraçado. Aprendeu com o avô e acompanhava as tias. Era tão bom quando elas cantavam as musiquinhas de carnaval. Riam felizes, conversavam muito, ela só conseguia decifrar as palavras: namorado, baile, saia godê ponche. Achava aquela saia a roupa mais bonita do mundo, era enorme, rodada. Mais bonita que a saia godê ponche só o vestido balão que a tia mais moça usou quando fez quinze anos.
Brincava, recortando bonequinhas de papel com a avó, enquanto as tias, cantavam e dançavam alegres, cheias de trejeitos, dizendo que tinham que ensaiar para o carnaval, dançando com os dois fura bolos, para cima...
Agora, enquanto observa o crescimento da ferrugem na pele de suas mãos, lembra daqueles momentos mágicos em sua vida. É tomada por uma deliciosa sensação de paz e felicidade, um arrepio nos pelos dos braços e cócegas no estômago.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

(continuação) - VII - O segredo



- Vó, o que é que tem dentro desta lata branca?
Guardada em um armário do quarto havia uma lata grande, redonda. Sempre que se deparava com lata, perguntava o que havia dentro. A avó, por sua vez, desviava a atenção para outra coisa. Levou muito tempo, até que certa vez, a avó lhe mostrasse o conteúdo. Ficou numa agitação ao ver a avó colocar a lata sobre a cama. Tinha só seis anos e estava descobrindo um tesouro – para ela, tudo o que era guardado, sem que soubesse o conteúdo, era um tesouro. A avó abriu a lata e retirou um embrulho de papel de seda contendo um véu e uma grinalda, amareladas pelo tempo. Era o véu que havia usado em seu casamento.Havia também um par de polainas brancas, de pelica, com muitos botõezinhos, que o avô usara na mesma data. Que emoção dividir aquele tesouro, aquele segredo, com a avó. Aquele dia jamais seria esquecido. Como de fato, nunca o foi.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Duane Bryers




Quero prestar uma homenagem ao autor destas belezinhas que são as ilustração que coloco aqui. Aqueles desenhos de uma pin up gordinha, linda!
Esta gordinha que ilustra o meu blog é uma criação do artista americano Duane Bryers, nascido em 1911, no Michigan, ganhava a vida como ilustrador comercial.
Em 1958, criou a personagem Hilda - uma pin-up acima do peso, de formas arredondadas, cabelos ruivos, e que está sempre realizando uma tarefa doméstica - com isto teve seu nome e trabalho reconhecidos.
Em 2002, aos 91 anos, concedeu uma entrevista que consta do site - http://www.toilgirls.com/hilda/gallery.html - de onde retirei algumas curiosidades.
Durante 36 anos, o autor, Duane Bryers pintou cerca de 250 Hildas, e a pintura era feita com guache.
Conta, o autor, que não costumava usar modelos, mas declara que:

É difícil dizer. Quando era mais jovem eu costumava usar a minha filha de celebridade para modelo de Hilda, embora ela era pequena e magra. Eu a usei como um modelo. Um braço é um braço e uma perna é uma perna e tudo que você precisa fazer é adicionar um pouco de gordura.
Também, declara que tem duas Hildas que ele gosta muito. Uma é onde ela está varrendo o lixo para debaixo do tapete, e outra é a Hilda de chapéu.

Bem, citei o autor da obra que tanto admiro – já não sou mais uma pirata- estelionatária – e acredito ter prestado uma justa homenagem a este fantástico artista, Duane Bryers!

(continuação) VIII - Conclusão


Avós foram feitos para a gente lembrar e sentir saudades, quando o tempo começar a passar mais depressa. Para sabermos que, em algum lugar da nossa lembrança, existe um estoque de momentos de aconchego - morno nos dias de inverno e refrescante nos de verão. Que exista, nem que seja só na memória, um colo macio, um cheirinho de fumo em corda, um sabor de bife na chapa. Alguém que nos diga que somos bonitos, não cobre quilos a mais ou a menos. Que nos agrade nos acertos e, nos erros, passe a mão em nossa cabeça e nos console. Enfim, alguém que não nos julgue, não critique. Que não tenha como objetivo nos tornar o melhor, o mais inteligente, o mais bonito, o mais premiado, o mais... Simplesmente nos aceite, nos ame, bem assim, tortos e desajeitados, do jeito que somos. Assim é amor de vó – incondicional!
Afinal, amar o belo, o correto, o perfeito, é fácil, qualquer um ama
Talvez, por terem dado aos netos só o que tinham de bom, os avós tornam-se pessoas inesquecíveis de nossas vidas.
Não criticavam – aliás, criticavam nosso pai ou mãe, saindo em defesa dos netos e nós, os netos, deleitávamo-nos com alguém que, com toda a autoridade, pudesse reprimir o nosso repressor.
Por tudo, isto os avós vivem para sempre em nossas lembranças e, por esta razão, as biografias deveriam ser escritas somente por netos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Fada.



A história de hoje é verídica. Tinha seis anos de idade e morava lá pelas bandas do Botucaraí.
Era final de ano, a professora informou que as meninas da classe apresentariam um “bailado”.
Ficou numa felicidade! Nunca havia feito teatro

com platéia de verdade. Gostava de brincar de teatrinho com as amigas. Sempre haviam princesas, príncipes, fadas e bruxas. Nunca aprendeu ballet, fazia umas imitações que achava simplesmente espetacular.
Era realmente fantástica! - segundo conceito próprio.
- Vamos apresentar um bailado. As meninas serão bonecas. Ficarão em pé dentro de caixas e uma será a Fada, que dançará e tocará as caixas das bonecas com uma varinha de condão. As bonecas ganharão vida, se transformarão em meninas. Elas sairão de dentro das caixas e darão uma voltinha, com os braços erguidos, retornando para dentro das caixas.
A professora falava e demonstrava, para as meninas, como seria o balet.
Prestou atenção para guardar toda a coreografia que a Fada deveria fazer. Bastou a professora fazer uma vez, já sabia tudo!
- Agora fiquem todas em pé, uma ao lado da outra, vou escolher quem será a fada.
Perfilaram-se, a professora caminhava entre elas. Solange era uma menina loirinha, de cabelos encaracolados. Carmem, magrela de cabelinho bem curtinho. Jacira, tinha olhos grandes, cabelos negros, escorridos. Marta, Ah! Marta! Era a mais alta de todas, esbelta, cabelos castanhos, olhos azuis, longos cachos caiam por suas costas.
- Marta, você será a fada! – sentenciou a professora.
Sem nenhuma humildade, cerimônia ou culpa. Com muita convicção interrompeu:
- Professora, a senhora se enganou! Quem sabe dançar balet sou eu, olhe só – e fez umas piruetas demonstrando que aprendera a coreografia só de olhar uma vez - também tenho uma roupa de fada – completou. Lembrou do vestido que a irmã mais nova usara como dama de honra em um casamento, um vestido branco, todo de babadinhos.
- Não! Marta será a Fada, vocês serão as bonecas.
- Mas eu não quero ser boneca. Boneca não faz nada, só sai um pouquinho da caixa, dá uma voltinha e entra na caixa novamente - resmungou
- Já está escolhido. Vamos ensaiar.
Volta e meia falava para a professora que ela é que deveria ser a Fada. Não sentia vergonha por demonstrar tão obviamente o seu desejo. Queria ser a Fada e para isto ensaiava em casa tardes inteiras e não havia por que me constranger. Não havia questionamento com relação a aparência, desempenho ou qualquer coisa parecida. A única coisa que sabia é que ela poderia, e queria, ser a Fada.
Enfim, chegou o dia em que aconteceria a apresentação. Ela estava um pouco sem graça. Não seria Fada e ser boneca era uma coisa tão boba, então, tanto fazia ter apresentação ou não.
Foi quando Pierre, um colega de escola, chegou todo esbaforido.
- A professora mandou avisar que Marta está com catapora e não poderá dançar hoje à noite. Você será a fada!
Aquele foi o dia mais feliz da sua vida!
Correu para até a mãe pedindo-lhe para providenciar no vestido de sua irmã pois ela seria a fada!
- Mas, minha filha, como é que você vai usar o vestido de sua irmã mais nova? Ele é muito pequeno para você!
- Não tem problema mãe, a gente põe um remendo - falou decidida.
Bom, a partir daí foi um tal de tira e põe o vestido, emenda e costura. Pouco importava a trabalheira da mãe. Ela estava radiante!
Chegou a noite e apresentou-se em um palco de verdade. Dançou, e com a varinha de condão desencantou todas meninas-bonecas.


Foi a fada baixinha, gordinha, de óculos, mais feliz que alguém possa imaginar!


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Explique-se!


- Filha, como foi o teste na escola?
- A professora disse que a maioria foi bem.
- E você como foi?
- Não sei, só sei que a maioria foi bem!
A conversa continuou, sobre os mais variados temas. A menina voltou ao assunto das provas. A mãe já começava a desconfiar de que a filha havia ido muito mal, pois continuava frisando, inconformada, que a maioria foi bem. Sempre deixando um espaço para encaixar um – eu é que fui mal.

- Filha, você achou difícil o teste? Respondeu todas as questões?
- Respondi todas, e não sei se aquilo era difícil ou fácil, a única coisa que sei é que a maioria foi bem – respondeu, já com uma pitada de indignação, como quem diz – não sei! Vá se catar!
A criança continuava a afirmar que não sabia como tinha ido na prova, só sabia que dissera a professora - a maioria foi bem!
A mãe deu a conversa por encerrada, e antes que pudesse mudar de assunto menina respirou fundo e corajosamente declarou:
- Desde o começo do ano que a professora diz - que ela foi bem... que ela foi mal, mas até hoje eu não conheço e nunca ouvi a professora dizer o nome dela na chamada.
- Nome de quem?
- Da Maioria, ora!